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A Estratégia da Sua Empresa está Alinhada com seu Modelo Societário?

Quando o fundador da Vanguard, John Bogle, faleceu na semana passada, os comentaristas da área foram rápidos em ressaltar sua enorme influência no setor de fundos mútuos. Percebendo que, ao longo do tempo, a maioria dos gestores de fundos não consegue suplantar o desempenho das grandes tendências do mercado, Bogle popularizou os fundos de índice, que essencialmente monitoram as oscilações do mercado. Esta observação promoveu uma mudança catalisadora no setor. Mas talvez este não tenha sido seu insight mais inspirado. Como ressaltou o New York Times, “a vantagem da Vanguard decorre da estrutura empresarial incomum adotada pelo Sr. Bogle.”

A Vanguard é um fundo mútuo, o que significa que seus donos são os  seus investidores. Esta estrutura acionária permite à Vanguard criar uma estratégia diferenciada e uma cultura focada em oferecer produtos de investimento de baixo custo. Ademais, a arma secreta da empresa é a entrega, de forma consistente, de um excelente desempenho, mesmo nos períodos de crise.  A Vanguard é concorrente, entre outras, da Fidelity (empresa familiar), da Charles Schwab (empresa de capital aberto), e da Invesco (empresa de capital aberto), cada qual com uma estratégia que reflete sua estrutura acionária.

A estrutura acionária das empresas frequentemente é um fator negligenciado de seu sucesso (ou fracasso). Mas o modelo acionário de uma empresa tem grande influência sobre aquilo que ela faz bem, onde enfrenta dificuldades, quais oportunidades pode explorar e quais são seus pontos fracos.

Existem três tipos principais de modelo acionário de empresas. O primeiro é o modelo público, que é como a maioria das pessoas entende as empresas, não importa de qual tamanho. Ações destas empresas são negociadas em Bolsa e geralmente são bastante pulverizadas. Empresas de capital aberto geralmente são administradas por gestores profissionais e têm um CEO no topo da pirâmide decisória. Seu objetivo claro e prioritário é focar em maximizar a rentabilidade dos acionistas.

O segundo tipo é o modelo privado, que inclui empresas familiares (Cargill, Koch, Mars), empresas que pertencem aos próprios funcionários (Publix, W.L. Gore), parcerias (Bain, Brown Brothers Harriman) e fundações (Ikea, Bosch, Tata). Diferenciam-se de três maneiras. Primeiro, a propriedade é exclusiva – não é possível comprar uma participação na empresa. Segundo, os donos, e não necessariamente o CEO,  ou quaisquer outros executivos, têm autoridade para tomar as principais decisões. Terceiro, cabe aos donos definir o que é sucesso; ao passo que nas empresas de capital aberto, o sucesso é definido pelos investidores.

O terceiro tipo é um modelo híbrido, que combina características dos dois modelos anteriores. Existem inúmeras versões, inclusive organizações de fundo mútuo e cooperativas (como a Vanguard, REI, ou Northwestern Mutual), que respondem a seus clientes ou segurados e não a investidores externos; carteiras de fundos de private equity (Staples, Chuck E. Cheese’s); e empresas de capital aberto controladas, em que os fundadores (Facebook, Google) ou seus descendentes (Molson Coors, Ford) têm poder decisório. As híbridas têm mais flexibilidade sobre suas decisões do que as empresas de capital aberto, mas respondem a um grupo maior de proprietários do que as empresas privadas.

A vantagem de um determinado modelo acionário para a estratégia da empresa depende, em parte, de quão importantes a escala e o controle são para o sucesso da empresa. A abertura de capital dá acesso a recursos de investidores externos. Mas o preço disso é abrir mão do controle  sobre as principais decisões  (inclusive sobre a definição de sucesso), bem como submeter-se a regras criadas para proteger os acionistas externos. O termo ”abrir o capital” literalmente significa que uma empresa está se abrindo ao escrutínio e regulação que acompanham uma participação societária pulverizada.

O modelo privado possibilita às empresas ter mais controle sobre seu destino, e muitas são verdadeiramente privadas no que se refere a ficar na moita.  Entretanto, o preço desta liberdade de ação é a dependência do capital que os proprietários conseguem gerar usando seus próprios recursos ou dos empréstimos que conseguem fazer.

As híbridas situam-se no meio destas contrapartidas. Por exemplo, a Tesla foi capaz de usar dinheiro público para escalar sua produção e conseguiu manter o controle nas mãos de seu fundador, Elon Musk. Entretanto, a Tesla não é imune às pressões do mercado.  Musk estava em todas as manchetes quando expressou sua frustração com a pressão sofrida por ser uma empresa pública e seu desejo de fechar o capital da Tesla.

Musk pode ter tentado seguir o exemplo de Michael Dell, que fechou o capital da empresa que leva o seu nome em 2013, após ter feito um IPO para viabilizar o crescimento. Refletindo sobre a nova independência que acompanha a propriedade privada,  Dell afirmou, “Quando você começa a pensar no longo prazo, surgem milhares de oportunidades. Você começa a pensar sobre, uau, que investimentos queremos fazer? Como podemos desenvolver nossa equipe? Quais são as grandes oportunidades reais em que queremos focar nossos esforços? Em julho de 2018, a empresa anunciou que criaria papéis negociáveis em bolsa, entretanto o controle continuaria totalmente nas mãos de Michael Dell e em seu fundo de investimento, Silver Lake Partners. Atualmente a empresa é híbrida.

Como comprovado pela experiência da Dell, mudar o modelo societário pode ser um forte aliado para deixar a estratégia evoluir de acordo com as necessidades da empresa. Quando o objetivo principal é crescimento acelerado, o modelo público pode prover o capital para viabilizá-lo. (Vale notar que existe uma relação inversa entre controle e capacidade de crescimento acelerado. Existem diversos membros do clube dos bilionários que são donos de empresas privadas como a Cargill, a Koch Industries e a Tata. No entanto, estas empresas demoram mais tempo para chegar ao ápice do que as empresas abertas). Mas quando as empresas precisam mais controle sobre o processo decisório, normalmente o modelo privado é a melhor opção. A mudança de modelo é uma proposta profunda e cara, mas pode ser a peça fundamental para conquistar, ou reconquistar, a liderança no setor.

No caso da Dell, a privatização permitiu que a empresa se reinventasse. Outras explicitamente rejeitaram abrir o capital, motivadas por um desejo de manter sua estratégia diferenciada. Ingvar Kamprad, fundador da empresa privada IKEA, disse “Eu decidi que o mercado de ações não era uma opção para a IKEA. Sabia que só uma perspectiva de longo prazo poderia assegurar nossos planos de crescimento, e não queria que a IKEA se tornasse dependente de instituições financeiras.” Aqueles valores estavam tão arraigados que a empresa conseguiu segui-los mesmo em momentos de dificuldade econômica. Por exemplo, durante a recessão de 2008, a IKEA fez questão de oferecer preços ainda mais baixos para seus clientes de classe média baixa. Em pouco tempo,  o  resultado desta estratégia já estava claro: cerca de 10% de crescimento anual na receita bruta e margens estáveis, apesar das reduções permanentes de preços e pressões econômicas. A perspectiva de longo prazo foi crucial não apenas para a IKEA sobreviver a recessão, mas também para expandir para novos mercados.

Se analisarmos sob a ótica da vantagem competitiva para o acionista, há três implicações para os líderes:

Alinhar sua estratégia com seu modelo societário. Cada modelo de participação tem suas vantagens e desvantagens. As desvantagens são inerentes: as empresas de capital aberto enfrentam pressão do mercado, as empresas privadas têm menos acesso a capital. Mas as vantagens podem ser limitadas conforme a capacidade das empresas de aproveitá-las. Por exemplo, empresas de capital aberto podem usar suas ações e capacidade de endividamento para comprar empresas concorrentes, mas apenas se forem eficientes para fazer a integração de suas aquisições. As empresas privadas deveriam explorar as vantagens inerentes a seu modelo, como por exemplo, os benefícios da perspectiva de longo prazo, que sempre estiveram atrelados a um melhor desempenho financeiro. (Escrevi sobre essas vantagens para empresas familiares; a maioria delas  também se aplica a todas as empresas privadas.) Ao elaborar um plano estratégico, os líderes da empresa devem levar em consideração (1) como seu modelo societário configura sua capacidade de competir, (2) desenvolver as aptidões necessárias para realizar estas vantagens, e (3) alinhar a estratégia com aquilo em que a empresa especificamente se destaca.

Conhecer seus concorrentes.  Ao avaliar seu posicionamento no mercado, estude seus modelos societários e use esta informação para entender seus pontos fracos, prever seus movimentos e descobrir como vencê-los. Se está competindo contra uma empresa de capital aberto, é provável que em uma crise esta será forçada a dispensar pessoas ou vender ativos (ou ambos). Estando ciente disto, esteja preparado para atrair seus talentos ou comprar seus ativos mantendo sempre sua empresa com caixa alto e baixo nível de endividamento. Se seu concorrente for uma empresa familiar, preste atenção sobre em que fase estão na transição geracional. Estes momentos podem ser vantajosos para enviar uma proposta de compra. A  LVMH, que detém 70 marcas,  fez disso o centro de sua estratégia dorsal. “Estes momentos surgem quando uma empresa familiar está mais vulnerável, quando está mudando de acionistas ou quando uma nova geração está assumindo.”

Pensar sobre o equilíbrio crescimento-controle.  A tendência recente na direção das empresas híbridas como Facebook, Google e Alibaba é um bom indicativo de que muitos líderes reconhecem a importância de reter o controle utilizando-se de duas classes de ações (dual class) mesmo quando abrem as portas a acionistas externos e seu capital. Parece o melhor dos dois mundos, e talvez seja. Mas as híbridas ainda assim podem sofrer pressão de seus investidores, como o próprio Musk descobriu.

E é importante analisar até que ponto o modelo societário é crucial para sua estratégia. A Berkshire Hathaway pode acabar sendo um ótimo exemplo: suas ações são negociadas em bolsa, mas o controle está totalmente nas mãos dos líderes Warren Buffett e Charlie Munger, o que garante que a empresa pode seguir seu curso estratégico independentemente do que pensa o mercado. Buffett anunciou seus planos de doar sua ações para caridade, o que embora seja incrivelmente generoso, fará com a empresa fique muito pulverizada. À medida que o equilíbrio de poder mudar de gestores-donos para investidores externos, será grande a probabilidade de se focar mais nos resultados trimestrais. Investidores ativistas podem até pressionar a empresa a se dividir (uma ideia que a imprensa especializada tem debatido ao longo dos anos). Como um dono definindo seus objetivos de longo prazo, você terá que escolher entre o ritmo de crescimento e o nível de controle que você, ou seus sucessores, terão sobre a empresa, uma decisão que acarretará implicações de longo-prazo.

Modelos societários têm grande importância na definição de como as empresas competem entre si, e os líderes precisam considerar seriamente seus impactos. As empresas que conseguem alinhar sua estratégia com os pontos fortes de seu modelo societário – e conseguem explorar os pontos fracos dos seus concorrentes – podem obter uma vantagem competitiva bastante importante.

25 Janeiro de 2019. HBR.org