Como tomar melhores decisões em seu negócio familiar
As decisões que famílias empresárias têm de enfrentar podem ser especialmente difíceis – e suas implicações descomunais, tanto para o futuro da família como do negócio: “Quem deve ser o próximo presidente: minha filha ou meu filho?” “Devemos comprar a participação do nosso primo para que ele saia da empresa?” “Podemos confiar em diretores que não são da família para tomar decisões importantes para os negócios?”
Para ajudar nossos clientes, usamos uma analogia simples sobre o lugar das decisões em negócios familiares bem estruturados. Da mesma forma como separamos o quarto da cozinha em nossas casas, empresas de sucesso constroem e equipam quatro salas: dos acionistas, do conselho de administração, da gestão e da família.
Em cada sala decisões distintas são tomadas: a gestão conduz as operações; o conselho de administração monitora o desempenho da empresa e contrata/demite o presidente; os acionistas definem os objetivos primordiais da empresa e elegem os membros do conselho; e a família preserva a unidade do grupo e desenvolve os talentos familiares – para mencionar apenas algumas das decisões mais básicas tomadas em cada sala.
Sistemas de negócios familiares que funcionam bem direcionam as deliberações para as salas apropriadas, e os membros da família, os executivos e os conselheiros desempenham papéis diferentes e se comportam de maneira diferente em cada sala.
O poder para tomar decisões também varia de sala para sala. Na sala dos acionistas, o poder é baseado em quem controla as ações, seja diretamente ou por procuração. Na sala do conselho, os conselheiros influenciam uns aos outros num espaço de pares. Presidentes comandam organizações hierárquicas e geralmente tomam suas decisões com base nos retornos financeiros. Famílias em geral atuam por consenso e tomam decisões considerando a preservação do legado familiar.
O modelo das quatro salas ajuda a definir limites para as decisões. Um presidente que não pertence à família, por exemplo, fica na sala da gestão e não discute com o herdeiro da família qual faculdade ele deve fazer. Da mesma forma, os gestores tomam muitas decisões diárias sobre como implementar as estratégias de negócios, mas não decidem a política de dividendos. Isso é função dos acionistas. Quanto aos membros da família, eles não podem simplesmente ir entrando em qualquer sala; é preciso haver um processo para canalizar os desejos e as necessidades da família para as salas apropriadas.
As quatro salas não são aleatoriamente configuradas; existe uma hierarquia clara. Os gestores respondem ao conselho de administração que em última instância responde aos acionistas. A sala da família não fica por cima das outras, uma vez que a gestão, o conselho e os acionistas não respondem diretamente a ela. Em vez disso, a sala da família funciona adjacente às outras, para simbolizar a unidade familiar, que é essencial para manter determinação nos negócios e desenvolver o talento dos membros da família, os quais, quando qualificados, podem transitar pelas outras salas. A sala da família também é importante como espaço para discutir conflitos e tensões familiares que poderiam acabar vazando nas outras salas.
Quando aplicamos o modelo das quatro salas em nosso trabalho, descobrimos que negócios familiares enfrentam três desafios recorrentes no que se refere a tomada de decisões. Vamos examinar cada um deles.
Casas com apenas uma sala
A Família A[1] vivia em uma sala. Eles conduziam os negócios na mesa do almoço. Os nove irmãos, que tinham a mesma participação acionária na empresa e ocupavam cargos de liderança, almoçavam juntos todos os dias. A sala de almoço dos executivos tornou-se de fato a sala do conselho de administração, a sala dos acionistas, a sala da gestão e a sala da família. Durante um almoço, era normal que os irmãos começassem falando de minúcias do dia a dia da empresa (preços nas lojas que a família possuía), passassem a discutir como os irmãos deveriam investir seus milhares de dólares de ativos líquidos comuns, e acabassem planejando as férias de Natal.
Eram discussões geniais que raramente levavam a tomada de decisões – um dos maiores desafios (e perigos) que os negócios familiares enfrentam. As conversas tendiam a andar em círculos apesar da necessidade de agir em uma carteira de negócios que estava em declínio. O que estava acontecendo? Primeiro, o ambiente informal propiciava um diálogo maravilhoso, porém raramente conduzia a decisões de fato. Mesmo quando concordavam com certas ações, havia pouco acompanhamento para ver se tinham sido implementadas. Mas, principalmente, as decisões acabavam num consenso baseado na igualdade da participação acionária, ainda que alguns irmãos tivessem mais conhecimento e experiência em certas áreas do que outros.
Muitos negócios familiares têm essa maneira informal de trocar ideias e informações. Em geral não se dão conta de que um ambiente mais estruturado pode melhorar drasticamente a qualidade e a efetividade de suas decisões. Essa falta de consciência é normalmente histórica. Um negócio familiar de uma só sala é como um belo loft onde mora uma pessoa solteira – um galpão reformado onde o quarto, o banheiro, o escritório e a cozinha ocupam um único grande espaço. Ao se casar e ter filhos, essa pessoa precisará de uma casa maior, com paredes dividindo os espaços, quartos separados da sala e da cozinha. Da mesma forma, à medida que um negócio familiar cresce de uma pequena empresa com um único proprietário/gestor para um sistema familiar e empresarial maior, ele precisa evoluir para uma estrutura mais sofisticada.
Ajudamos a Família A a perceber a necessidade de uma estrutura, e eles separaram seu sistema de negócio familiar em quatro salas. Trabalhamos com eles para criar Comitês Executivos para seus principais negócios, cada qual subordinado a um conselho de administração diferente. Foram estabelecidos um Conselho de Acionistas para tomar decisões sobre como alocar capital para os diferentes negócios e um Conselho Familiar para preparar alguns dos 30 membros da próxima geração para um dia sucederem em papéis de liderança e gestão, se apropriado. Os nove irmãos não ocupavam mais juntos todas as salas, e pessoas de fora foram contratadas – em particular para compor as salas da gestão e do conselho de administração – a fim de tornar o processo de tomada de decisões mais efetivo.
Embora tenha levado um certo tempo para que os irmãos se adaptassem à estrutura das quatro salas, a mudança permitiu que conseguissem fazer algumas escolhas bastante difíceis sobre os negócios, assim como encontrar a combinação de papéis que se adaptava melhor aos talentos e interesses de cada um. Eles ainda almoçam juntos todos os dias, e claramente aproveitam a companhia uns dos outros, mas agora querem sobretudo ter notícias dos sobrinhos, planejar férias e se manter conectados como irmãos.
Sala inexistente
A Família B era sob muitos aspectos um exemplo de família empresária. Tinha uma governança familiar de primeira, conduzida por um conselho familiar modelar; aliás, nunca vimos um melhor. Tinha um conselho de administração estrelado, com uma mistura de membros da família e pessoas de fora. Os conselheiros se reuniam com regularidade e acompanhavam os negócios, que estavam funcionando e dando lucro. Os dividendos eram altos, mesmo quando o negócio estava crescendo.
Mas havia um problema essencial – não havia uma sala dos acionistas. Esses haviam optado por passar procuração ao conselho de administração. Ainda que conduzissem assembleias de acionistas anuais, como exigido por lei, essas eram perfunctórias. A procuração permitia efetivamente que o conselho se elegesse.
Com o tempo, havia uma maioria de membros do conselho de administração que não pertenciam à família, e a influência dos acionistas começou a minguar. O conselho familiar era excepcional para organizar reuniões familiares e desenvolver a próxima geração, mas não conseguia ter uma perspectiva coesa sobre questões importantes para os proprietários.
Em seu papel de supervisor dos negócios, o conselho de administração perguntava: “O que os acionistas querem?” “Querem que a empresa cresça?” “Querem liquidez?” Sem uma sala onde os acionistas pudessem discutir essas questões, o conselho não tinha como ter essa conversa diretamente. Na ausência dessa perspectiva, os conselheiros definiam o rumo que consideravam mais correto. Levou anos para que os acionistas se dessem conta de que o caminho que estavam seguindo não era o que queriam, mas lhes faltava um espaço para deliberar e agir.
Uma empresa familiar sem uma sala dos acionistas é como uma mansão sem a cozinha: por mais bela que seja a propriedade, a casa não é funcional. No entanto, em nossa experiência, a sala dos acionistas é o espaço mais frequentemente ausente em uma empresa familiar, ao menos nos EUA.
Em parte, a explicação repousa no fato de que as escolas de negócios norte-americanas têm muito a ensinar sobre melhores práticas para conselhos de administração e para gestão de empresas de capital aberto, lições que podem ser transferidas para empresas familiares. Mas a propriedade privada é geralmente ignorada na academia – e na prática. Consultores que se dedicam exclusivamente a empresas familiares têm focado seu trabalho nas especificidades do aspecto familiar desses sistemas de negócios.
Embora uma boa governança seja necessária na empresa familiar, ela não é suficiente.
Se não houver uma sala dos acionistas, a conexão da família com a empresa se perde. Quando os proprietários se tornam passivos, eles perdem o controle dos negócios para procuradores que tomam as decisões por eles. Por outro lado, sabemos de muitas famílias europeias proeminentes que têm uma sala para os acionistas, mas não têm uma para a família. Nesses casos, o dinheiro se torna a preocupação preponderante. Os direitos de voto determinam todas as decisões tomadas – mesmo quando os membros da família estão discutindo o orçamento do próximo encontro familiar.
Esse não era o problema da Família B, que precisava criar uma sala funcional para os acionistas. Para tanto, a família primeiro precisou passar por uma etapa desagradável. Tiveram que instituir um espaço onde os membros da família não eram todos iguais, onde os acionistas participariam, mas cônjuges e outros parentes não – o Conselho dos Acionistas.
Esses adquiriram então mais conhecimento sobre a empresa antes de elegerem representantes que seriam autorizados por todo o grupo a definir uma visão para os negócios e selecionar ativamente os membros do conselho de administração. Levou tempo, mas hoje a família retomou as rédeas da empresa, e os acionistas desempenham agora a função crucial que estava faltando.
Salas desordenadas
A Família C tinha um conselho de administração cujo presidente era também o presidente da empresa. Este, que não pertencia à família e apresentava um desempenho insatisfatório, dominava um conjunto de conselheiros da família relativamente indiferentes e inexperientes. Quando o conselho se reunia, o presidente comandava o espetáculo, compartilhando as informações que escolhia como relevantes. Perguntas feitas pelos conselheiros eram respondidas com um nível de detalhes confusos que ninguém conseguia entender. Os acionistas diziam que se sentiam “estúpidos” durante as reuniões do conselho.
Muito embora o desempenho do negócio estivesse claramente abaixo daquele de empresas comparáveis, o presidente garantia para si um pacote de remuneração bastante elevado e desvinculado do desempenho. Por outro lado, dizia aos acionistas que provavelmente não receberiam dividendos por pelos menos alguns anos. Claramente, as pessoas certas não estavam na sala do conselho.
Conseguir pessoas certas para a sala do conselho não é tarefa fácil, no entanto. Em geral causa ansiedade trazer conselheiros independentes para uma empresa privada de capital fechado. A menos que estejam apenas carimbando as decisões da maioria dos titulares, conselheiros independentes têm muito poder. Eles aprendem os segredos do negócio e são, de fato, pessoas de fora. O nível de confiança exigido para compartilhar informações com pessoas de fora é extremamente alto. Mas quando funciona bem, um bom conselho de administração serve como moderador e ponte entre os acionistas e os negócios. Um colega sempre diz: “O conselho é o árbitro de equidade”. Com efeito, ao resolver os problemas da maneira mais imparcial possível, um bom conselho pode contribuir para estabilizar o negócio familiar por muitas gerações. Compor uma sala de conselho normalmente envolve equilibrar o número de conselheiros acionistas e conselheiros independentes, de fora da família.
Com o tempo os conselhos de administração acabam mudando para uma maioria de conselheiros independentes, mas essa transição costuma levar muitos anos. A boa prática sugere que executivos que não sejam acionistas, à exceção do presidente, sejam excluídos do conselho, enquanto apenas os membros da família comprometidos e com conhecimento profundo dos negócios façam parte – e não aqueles que só querem “proteger” sua parte da propriedade.
Tendo isso em vista, ajudamos a Família C a fazer duas coisas: eleger um conjunto de conselheiros independentes fortes para o conselho de administração e transferir algumas das discussões e decisões da sala do conselho para a sala dos acionistas, onde os membros da família poderiam debater suas preocupações e tomar decisões relativas à propriedade distantes da influência direta do presidente do conselho de administração. (Também recomendamos que um executivo de fora fosse nomeado presidente do conselho, mas o contrato do presidente da empresa impedia essa ação. Tem bagunça que não dá para arrumar – ou só é arrumada depois).
A analogia das quatro salas é uma maneira simples porém dinâmica de repensar a tomada de decisões em um negócio familiar, e pode ser transformativa. Um dos nossos clientes, presidente de uma empresa familiar, resumiu assim a transição para as quatro salas: “Fiquei 50% mais eficiente. Quando meu irmão, que não trabalha mais na empresa, vem para o meu escritório reclamar de alguma decisão executiva que eu tomei, digo: ‘Jack, você está falando comigo como acionista? Essa questão não é a sua praia. Aqui é a sala da gestão’. Agora tenho apenas uma conversa por vez – e às vezes mais conversas do que jamais pensei necessárias – e estou fazendo muito mais progresso”.
Esse é o momento em que a lâmpada de repente acende – o tema recorrente em nosso trabalho.
[1] Alguns detalhes identificadores foram modificados para proteger a confidencialidade dos clientes.