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Conflito em negócios familiares é inevitável, mas isto não precisa ser algo ruim

Negócios não familiares, na maioria dos casos, têm uma série de regras e processos que governam comportamentos para todos os envolvidos em todos os níveis hierárquicos. Em negócios familiares, os donos criam as regras e muitas vezes são eles próprios que as quebram. E isto frequentemente, gera desentendimentos que crescem ao longo do tempo e se tornam batalhas e até mesmo guerras.

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É compreensível portanto que algumas famílias empresárias, por medo do conflito, optem conscientemente ou não, por buscar harmonia a todo custo. No entanto, isto também não ajuda, porque em grande parte dos casos implica em ter um ou vários indivíduos se calando até que a situação se torne insustentável, e a caixa de Pandora se abra, implodindo a situação de falsa harmonia.

Conflito em empresas familiares tem um nível ideal, onde tanto o excesso como a falta se tornam um prenúncio de problemas sérios. Identificar qual é o nível certo de conflito é o primeiro passo. Há 3 perguntas que podem ajudar a identificar se você está neste nível:

  1. Há uma satisfação geral com a direção do negócio familiar? Isto é, vocês podem não estar 100% alinhados com relação a todos os aspectos, mas de forma inevocável estão melhor juntos que separados
  2. As decisões críticas sobre os desafios chave estão sendo tomadas? Vocês podem não endereçar todos os pontos de desentendimento, mas todo mundo concorda que não há “elefante na sala”
  3. As relações familiares são boas o suficiente para vocês trabalharem e celebrarem juntos? Vocês não precisam ser melhores amigos, mas precisam concordar quanto aos grandes problemas e apreciar a companhia uns dos outros, apesar das divergências

Se você respondeu sim às perguntas acima, há uma boa chance de você estar na zona ideal de conflito. Se não, você tem trabalho a fazer, seja diminuindo ou aumentando o grau de conflito no sistema.

A espiral de conflito em um negócio familiar

Mas como o conflito cresce em um negócio familiar? O que leva a “as coisas fugiram de controle”? Como mencionamos anteriormente, uma vez que algumas batalhas começam, a tendência é irem se avolumando os desentendimentos até uma potencial ruptura total. Explicamos isto através do que chamamos de espiral de conflito:

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  1. Os interesses divergem. No livro Como chegar ao sim (Imago, 2015), os autores Roger Fisher e William Ury definem interesse como um desejo amplo que uma pessoa ou um grupo tem por alguma coisa. Alguns interesses são compartilhados; outros são individuais. A maior parte das famílias empresárias estão unidas em primeiro lugar pelo desejo de proteger seu ganha pão; ou seja, manter o negócio saudável. No entanto, considerando que os integrantes da família desempenham papéis e assumem responsabilidades diferentes à medida que o negócio cresce, os interesses naturalmente divergem. Como por exemplo, imagine uma situação onde alguns membros da família trabalham no negócio e outros são acionistas. Aqueles que trabalham no negócio estão mais inclinados a canalizar os lucros para reinvestir ou oferecer bônus, enquanto os acionistas são mais propensos a pagar dividendos mais altos. A posição de cada um em relação a determinada questão será influenciada pelo lugar onde a pessoa se encontra no sistema de negócio familiar.
  2. As posições se enrijecem. Quando os interesses divergem, os indivíduos ou grupos normalmente adotam posicionamentos diferentes sobre as questões. O posicionamento é a maneira específica como as pessoas tentam conseguir o que querem, e as posições se tornam claras assim que decisões precisam ser tomadas. Os posicionamentos ficam mais marcados, e de uma hora para a outra cada um acha que o assunto só pode ser resolvido de um jeito – do seu jeito. As negociações começam, e mesmo quando se chega a uma solução, um dos lados acaba achando que foi injustiçado. Em consequência, essas negociações em geral conduzem a resultados que não são nem positivos nem sustentáveis.
  3. A comunicação é interrompida. Quando não se consegue mais reconhecer interesses comuns e as posições estão enrijecidas, então a comunicação fica abalada. Familiares começam a evitar uns aos outros ou a mandar mensagens e e-mails inflamados. Normalmente não é nem silêncio nem guerra total, mas uma dinâmica tensa que faz as pessoas se afastarem e pararem de falar por um tempo. Então as tensões retornam à superfície e as coisas explodem.
  4. Alianças se formam. Quando as pessoas param de falar diretamente umas com as outras, alianças inevitavelmente começam a se formar. Todos se sentem forçados a tomar partido, e facções ganham força, começando em geral pelos cônjuges das pessoas “injustiçadas”. As alianças ficam mais inexoráveis à medida que visões distorcidas parecem se confirmar: todas as ações são interpretadas através de lentes que mostram como um lado está mais correto que o outro. Nessa fase, as coisas se tornam bastante pessoais, e cada lado acusa o outro de louco, estúpido, preguiçoso ou pior, e essa polarização torna qualquer compromisso cada vez mais difícil.
  5. Começam as “guerrilhas”. À medida que as alianças se fortalecem, cada lado busca maneiras de reforçar suas posições e inevitavelmente enreda outras pessoas no conflito. Membros da família convocam pessoas da empresa, gerentes e funcionários por exemplo, para servir de peões num jogo que ninguém vai ganhar. As guerrilhas adquirem múltiplas formas: numa empresa grande, os negócios geridos ou simplesmente alinhados com o outro lado são vendidos; executivos que tomaram partido são demitidos; dividendos são retidos para prejudicar alguns proprietários passivos, à custa de muitos.
  6. Especialistas são convocados pelos diversos lados. Depois de envolver funcionários incautos, o próximo movimento na espiral de conflitos é trazer especialistas de fora para defender uma determinada visão ou posicionamento. Em casos mais avançados, os membros da família contratam advogados. Como os advogados são obrigados a defender seus clientes, eles montam o caso mais forte e inflexível possível para provar que o lado deles está certo e o outro errado. A natureza do diálogo também muda à medida que a caçada a algum comportamento ilegal assume o foco, no lugar da reconciliação. Por isso, até mesmo os advogados mais bem-intencionados quase sempre exacerbam o conflito, conscientemente ou não.
  7. Ações judiciais são movidas. Levar uma diferença familiar para a justiça é um ato de guerra. E muitas famílias chegam a essa fase, que na grande maioria das vezes é contraproducente e onerosa, tanto do ponto de vista financeiro como psicológico. Quando famílias cogitam ações judiciais como remédio para os problemas, não estão levando em conta o arrependimento quase certo que sentirão pelos próximos cinco ou dez anos – ou mais –, assim como o impacto sobre seus funcionários e a comunidade.

 A beleza de se entender a espiral de conflito está no fato de que se pode inverter o seu curso. Dada que a passagem de um estágio para o outro é uma escolha deliberada e “racional”, pode-se optar por caminhar em uma direção ou outra, ao a família se reconhecer em um determinado estágio. Isto é, a escalada do conflito é uma escolha deliberada e intencional e portanto, pode ser contida.

Ferramentas que podem ajudar:

  • Crie alinhamento para a mudança – queremos mesmo continuar neste caminho? Quais são as consequências disto?
  • Coloque todas as opções na mesa – quais são todas as alternativas possíveis para o todo o grupo de acionistas? Qual se quer perseguir?
  • Reconstrua a confiança ao longo do tempo – que diretrizes queremos obedecer no tratamento entre as partes?
  • Busque ajuda de fora – que terceiro detém a confiança de ambos os lados e pode facilitar o realinhamento dos interesses?

Conflito é necessário em para qualquer negócio familiar sobreviver, e quando administrado da forma correta pode alavancar a empresa ao invés de destruí-la.

 

Publicado originalmente no LinkedIn em 13 de agosto de 2021