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Por que o século XXI será o dos negócios familiares

Convidaram-me recentemente para dar uma palestra sobre negócios familiares, e o organizador da conferência disse que eu nem precisava mencionar a “regra das três gerações”. Pois, como colocou: “Todo mundo já sabe que empresas familiares não duram”.

Ele tem toda razão. Uma estatística frequentemente citada é de que apenas 30% dos negócios familiares conseguem sobreviver a segunda geração, 10-15% a terceira e 3-5% a quarta. São números desanimadores.

Mas vamos colocá-los em perspectiva. Quantas empresas de qualquer natureza ainda estão por aí depois do equivalente a três ou quatro gerações? Um estudo envolvendo 25.000 empresas de capital aberto de 1950 a 2009 descobriu que, em média, elas duravam por volta de 15 anos, ou nem mesmo uma geração. Nesse contexto, negócios familiares parecem bastante duradouros.

E os números só ficam mais atraentes. No contexto competitivo no século XXI, os negócios familiares têm vantagens inerentes em relação às outras formas de propriedade, especialmente as corporações de capital aberto. Na maior parte do século passado, as empresas tinham diante de si oceanos de oportunidades, o que significava que as estratégias de sucesso giravam primordialmente em torno do tamanho. Empresas de capital aberto tinham uma nítida vantagem na economia de escala, pois são especialmente adequadas para levantar capital. Mas hoje as empresas não estão mais em face de oportunidades infinitas. Ao contrário, têm que lutar para sobreviver em um mundo intensamente competitivo, de crescimento mais lento, retornos menores e crises econômicas mais frequentes. Neste admirável mundo novo, empresas de capital aberto estão perdendo sua dominância: a participação no PIB, na mão de obra e no patrimônio caiu 50% nos Estados Unidos no último quarto do século XX.

Para os negócios familiares, a história é outra. As características em geral associadas às empresas de controle familiar que eram consideradas desvantagens no século passado estão se mostrando bastante profícuas hoje, pois elas têm o potencial de ser mais adaptáveis à concorrência cada vez mais intensa que todos os negócios estão enfrentando. Especificadamente, os negócios familiares têm a oportunidade de obter vantagens sustentáveis em cinco áreas chaves:

Talento: do emprego de massa ao sentido maior

Na maior parte do século XX, o sucesso dependia da capacidade de uma empresa contratar, treinar e manter números cada vez maiores de funcionários. Era a época do funcionário padrão, quando os empregados trocavam lealdade de longo prazo por um salário razoável e um plano de aposentadoria. Na atual economia do conhecimento, sucesso depende ao contrário de encontrar, oferecer oportunidades e reter as pessoas mais talentosas. As empresas precisam fazer mais do que oferecer salários e benefícios competitivos; têm que proporcionar um “sentido maior” que deixe claro o valor intrínseco de trabalhar para elas. Como um estudo recente da Bain & Company coloca: “Empregados querem trabalhar duro porque acreditam na missão e nos valores de suas empresas, não apenas porque esperam um salário alto ou uma promoção rápida”.

Já se escreveu muito sobre as culturas baseadas em valores. Pois famílias são as principais depositárias de valores, e as famílias empresárias podem tecer seus valores na própria fibra da cultura organizacional. Nossa experiência nos tem mostrado que quando funcionários trabalham diretamente com os proprietários, estabelece-se um efeito de lealdade mais pronunciado, que intensifica o sentido de missão.

Investimento: do dinheiro dos outros ao capital cativo

Na economia de escala, capital era a força vital do sucesso. E tendo em vista o ritmo de crescimento, capital estava sempre em demanda. Na atual economia, no entanto, a prioridade mudou da quantidade para a qualidade do investimento. Capital externo provoca pressão para obter resultados de curto prazo, o que acaba comprometendo a criação de valor. Uma pesquisa realizada com diretores financeiros de importantes empresas de capital aberto publicada no Journal of Accounting and Economics (2005) mostra que 78% deles estariam dispostos a tomar decisões que comprometem o valor da empresa a fim de alcançar suas metas de resultados trimestrais.

Negócios familiares não têm esses problemas, pois podem obter “capital cativo”, que não vai facilmente migrar para outras empresas. Seus acionistas costumam pensar em termos geracionais – em décadas mais do que em trimestres ou anos. Sem mercados externos para agradar, podem assumir uma perspectiva de longo prazo e tomar decisões com base em valor econômico sustentável. O capital próprio tem um custo muito baixo, pois a empresa consegue satisfazer as necessidades anuais de seus acionistas sem ter de se preocupar com os níveis de retorno. Além disso, como o dinheiro em jogo é da própria família, os negócios familiares tendem a ser mais prudentes na maneira de gastar, e a disciplina advinda da frugalidade é uma grande vantagem quando o crescimento da receita está mais difícil.

Reputação: da motivação pelo lucro à pegada sustentável

No século XX, havia relativamente poucos canais (literalmente, no caso da televisão) pelos quais empresas podiam construir suas reputações, o que permitia que as grandes corporações os controlassem. Não era despropositado para Milton Friedman dizer em 1970 que a “única e exclusiva responsabilidade social” das empresas era aumentar seus lucros. Na economia do século XXI, o padrão se elevou consideravelmente. Como um cliente me disse: “Antes os consumidores insatisfeitos escreviam uma carta. Agora, tiram a foto de um produto com defeito, colocam no Facebook e de uma hora para outra viraliza. Temos que estar sempre alertas em relação à nossa imagem”.

Negócios familiares têm uma vantagem inicial para construir uma “pegada sustentável”. Costuma haver uma conexão pessoal entre a família e a população do local onde opera; para famílias, a reputação é importante. Investir na população local contribui para promover a lógica social além da econômica. Um cliente construiu um complexo hoteleiro em uma região pouco desenvolvida. Eles poderiam ter trazido de fora tudo o que precisavam, mas em vez disso preferiram investir nos agricultores locais para abastecer os restaurantes do resort. Num período de três a cinco anos isso lhes custou dinheiro, mas depois de 20 anos o investimento havia compensado. Com um horizonte temporal maior, essa oposição entre fortalecer a população local ou aumentar os lucros pode simplesmente desaparecer.

Organização: das complexidades de gestão às respostas rápidas

As empresas líderes do século XX eram mastodontes. A corporação de Henry Ford cobria a cadeia de valores de ponta a ponta, incluindo áreas de pastagem para os carneiros cuja lã era usada para forrar os bancos dos carros. Porém, no século XXI, o maior desafio organizacional não é administrar estruturas altamente complexas, mas lidar com mudanças. As empresas precisarão ser capazes de flexibilidade, adaptabilidade e ação rápida e decisiva para responder às condições cambiantes do mercado. O novo mantra é diminuir a distância entre os líderes e as linhas de frente.

Negócios familiares são ideais para lidar com esse imperativo da “resposta rápida”. Eles tendem a ter estruturas mais ágeis e planas, onde as informações chegam mais facilmente aos líderes e as decisões acontecem. Em geral também há uma conexão mais direta entre quem toma as decisões finais e seus funcionários. Embora menos adeptos a delegar, podem fazer a organização se comprometer a agir de maneira mais rápida e decidida. Ser um empreendimento privado também contribui para que os executivos de negócios familiares tenham mais foco na estratégia do que em satisfazer expectativas de mercado. Em pesquisa recente da revista Fortune com presidentes de grandes corporações, 84% disseram que seria mais fácil administrar suas empresas se elas fossem de capital fechado.

Governança: da separação de poderes a acionistas engajados

A tomada de decisões em grandes empresas de capital aberto é primordialmente uma atribuição da direção, que em geral não é composta de acionistas majoritários. Em consequência, a propriedade do negócio fica separada de sua gestão diária, criando o que os economistas chamam de problema do “mandante-mandatário”. A prioridade tradicional da boa governança corporativa tem sido alinhar os incentivos da direção com os interesses dos acionistas, em geral por meio de planos de compensação através de ações. Porém, no final do século XX, tornara-se claro que essa solução não funcionava. Esforços para fazer gestores agir como proprietários por meio de opções sobre ações não surtiram efeito, levando a remunerações mirabolantes e abrindo as portas para escândalos de falsificação de números como o da Enron.

O problema do mandante-mandatário é muito menos sério em negócios familiares porque eles promovem um ambiente de “acionistas engajados”. O simples fato de haver menos proprietários torna o controle sobre as decisões mais fácil. Mesmo negócios familiares com centenas de proprietários estão melhor posicionados para controlar mais efetivamente a gestão do que empresas de capital aberto, que chegam a ter centenas de milhares de acionistas. E quando membros da família com grande participação na propriedade estão também envolvidos na administração do negócio, os incentivos se alinham mais facilmente.

A corporação de capital aberto foi o modelo de empresa dominante na maior parte do século passado, e isso refletia o fato de ser a melhor solução dentro de um conjunto particular de circunstâncias econômicas. Mas essas circunstâncias estão mudando e as empresas controladas por famílias que conseguem trabalhar com as cinco fontes de vantagens descritas acima estão bem colocadas para fazer do século XXI o século dos negócios familiares.

 

Artigo originalmente publicado em: Harvard Business Review, 28/03/2016. Tradução: Joana Canêdo.