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Quando Você já Ganhou Dinheiro o Suficiente para Causar Tensão na Família

Imagine que você – como o fundador de uma empresa extraordinariamente bem-sucedida – acaba de entrar para a lista exclusiva das 200 mil pessoas no mundo com um patrimônio líquido de mais de US$ 30 milhões.

Seu foco afiado na empresa está prestes a dar lugar ao que chamamos de Segundo Ato.

Um Segundo Ato bem-sucedido frequentemente traz uma crise existencial, já que demanda uma abordagem bastante diferente da exigida no Primeiro Ato. O Primeiro Ato envolveu uma energia intensa para se construir o negócio. Seu Segundo Ato provavelmente envolverá a criação de algum tipo de holding familiar, o que significa que haverá tomada de decisões coletiva sobre ativos compartilhados, como uma fundação, uma carteira de investimentos, talvez alguns negócios e, provavelmente, propriedades familiares.

Ter uma holding familiar muda tudo – desde seu status fiscal até a dinâmica de poder na família. As decisões financeiras que você tomava sozinho com relação aos negócios agora devem ser compartilhadas.

Este é um território bastante conhecido para os donos de empresas familiares de sucesso, que há muito tempo se organizam em holdings como a melhor maneira de colaborar e manter suas famílias e fortunas juntas. Sua holding familiar, no entanto, é melhor descrita como ‘acidental’, porque você nunca pretendeu trabalhar junto com sua família; ela é consequência do fato de você ter acumulado tanta riqueza que esta provavelmente durará mais que você.

Pense em dois ícones do capitalismo americano, Standard Oil e Microsoft. A Standard Oil não era, e a Microsoft não é uma holding familiar – ao contrário da Fundação Rockefeller e da Fundação Bill & Melinda Gates, que o são. (John D. Rockefeller, Sr. iniciou sua fundação com seu filho, e a esposa e o pai de Bill Gates são copresidentes de sua fundação.) Em ambos os casos, esses ícones dos negócios reuniram membros da família para criar holdings familiares para ajudar a gerenciar sua enorme fortuna.

Como consultores de empresas familiares, temos testemunhado em primeira mão os desafios e recompensas envolvidos na criação e gestão de holdings familiares. Engajar-se com sua família implica numa mudança radical de mentalidade e demanda conversas que você nunca teve antes com seus familiares, desde “quais são os valores e prioridades de nossa família?” até “de quem é o dinheiro, afinal?”

Responder a essas perguntas junto com seu cônjuge e filhos adultos significa também envolvê-los como parceiros de negócios. Mesmo com reuniões e conversas cuidadosamente orquestradas, o nível de tensão se eleva pelo simples fato de que, para o Segundo Ato ser bem-sucedido, você deve abrir mão de parte do controle sobre o dinheiro que trabalhou tanto para ganhar. A autoridade que você tinha no escritório será desafiada. Você não pode mais comandar o show; seu cônjuge e seus filhos podem se desengajar de seus planos a qualquer momento. É por isso que a governança se torna essencial. Sem processos de decisão estruturados, é muito fácil para uma geração ou outra se desvincular. É compartilhando as responsabilidades por sua fortuna com seus filhos adultos que eles podem aprender a partir de sua experiência e também aprender a trabalhar nos negócios junto com a família.

Você pode não se sentir capaz ou não querer fazer essa transição; você pode tentar manter um pulso firme com relação a seus ativos, e até mesmo tentar controlá-los do túmulo. Existem, afinal, muitas estruturas fiscais tentadoras que encorajam as pessoas ricas a fazer exatamente isso. Mas o que é ainda mais comum, em nossa experiência, é você querer manter o controle de seu dinheiro porque está profundamente preocupado com o fato de que uma enorme fortuna possa ser tóxica para seus filhos e netos. E se eles não conseguirem desenvolver sua ética de trabalho – ou algo pior? Mas o antídoto para a indulgência e o sentimento de merecimento é o envolvimento, não o controle. Ao ficar preso no modo de controle, você perde uma grande oportunidade de desafiar e orientar seus filhos, e de ajudá-los a desenvolver todo o seu potencial. Para alguns de vocês, esta pode ser a última chance de se tornarem o pai que sempre quiseram ser.

Considere o que aconteceu com uma família de empresários muito rica que conhecemos bem. Os donos temiam tanto as desvantagens da riqueza que esperavam até que os membros da família tivessem mais de 30 anos para lhes dizer seu verdadeiro patrimônio. “E então nós lançávamos essa bomba de que eles eram incrivelmente ricos”, um dos donos nos disse.

“Lançar a bomba” é a metáfora perfeita. A notícia abalou muitos dos filhos adultos que não estavam preparados para lidar com uma enorme fortuna. O que aconteceu a seguir não é de todo incomum em nossa experiência. Vários irmãos desligaram-se totalmente da família e só se interessavam pelos dividendos. Quando você não educa seus filhos e netos sobre como viver com dinheiro, então, paradoxalmente, a vida pode se tornar nada mais do que apenas dinheiro.

Envolver e educar as gerações mais jovens no Segundo Ato, no entanto, não se trata apenas do que é melhor para elas. Também é de seu interesse envolver seus herdeiros em seus planos de legado, o que provavelmente irá dar errado após a sua morte, a menos que seu cônjuge e seus filhos estejam interessados. Sabemos de um empresário de enorme sucesso que construiu um excelente portfólio de empresas que ele administra no Segundo Ato sem o envolvimento de seus filhos adultos. Os filhos estão apenas esperando que o pai morra para que eles possam vender os negócios e ficar com o dinheiro.

Seu legado filantrópico também pode ser prejudicado pelos desejos de seus filhos. Estamos trabalhando com uma matriarca que está profundamente envolvida em revigorar o atendimento médico no centro da cidade. É um projeto de 15 anos e, se seus filhos e a filha não se envolverem, o trabalho da mãe será prejudicado ou desmantelado. Essa seria uma oportunidade perdida tanto para a comunidade quanto para a família.

Mesmo quando diversas gerações trabalham juntas para escrever um Segundo Ato diferente, os membros da família muitas vezes se sentem desconfortáveis ​​no começo. Às vezes, essa angústia é quase visceral, como no caso de um fundador que realmente queria transferir os negócios da família para seus filhos. Ele se segurava durante as reuniões, tentando se forçar a ser paciente. Sua inclinação natural era assumir o controle e ser o tomador de decisões. Compartilhar o poder é realmente muito difícil.

A ironia é que seus filhos adultos ficaram satisfeitos em ver seu pai continuar a desempenhar o papel de tomador de decisões. Eles levaram muitos anos para assumir um papel tão importante quanto o do pai, conseguindo se colocar em pé de igualdade com o pai. Para um Segundo Ato ser tão bem-sucedido quanto o Primeiro Ato, os relacionamentos precisam mudar em ambas as direções.

Neste caso, o proprietário acabou trazendo todos os seus filhos adultos para o negócio, embora nenhum fosse especialista na área. O pai apoiou e orientou os filhos durante todo o processo e, trabalhando juntos, os irmãos investiram em um acordo multimilionário que quase dobrou a fortuna da família. O pai agora está se aposentando, sabendo que preparou seus filhos para um futuro de sucesso juntos.

Não há garantias de que todos os Segundos Atos possam funcionar tão bem quanto esse. Mas tratar o Segundo Ato como outra start-up quase que certamente destruirá a riqueza que você criou, e também é provável que venha a alienar sua família. Claro, você pode continuar a ter todos os holofotes voltados para você enquanto caminha para o Segundo Ato. Mas, na realidade, o controle não é mais uma solução viável se você quiser que o legado de seu trabalho supere você mesmo. A cortina baixou. O Primeiro Ato acabou.

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First Published: 8 Jan, 2016. Harvard Business Review